29.5.09

solidariedade maior para o sul

Revista Isto É, Ed. 22.05.2009

Por que os desabrigados do Norte e do Nordeste, apesar de viverem o mesmo drama, estão recebendo menos donativos do que as vítimas da enchente de Santa Catarina?
As chuvas, que assolam desde março as regiões Norte e Nordeste do País, atingiram 398 municípios, em 12 Estados, e tiraram de suas casas mais de 373 mil moradores. Ao todo, 44 pessoas morreram em decorrência das enchentes e calcula-se mais de um milhão de vítimas da tragédia. Estradas foram interrompidas, cidades inteiras estão debaixo d'água, sem luz, sem comida e sem água potável. No Maranhão, passam de 120 mil desabrigados ou desalojados, no Ceará são 64 mil e no Amazonas, o Estado mais atingido da região Norte, são quase 60 mil pessoas sem casa. E a chuva continua a cair.

A situação calamitosa lembra a tragédia que deixou 80 mil desabrigados em 14 municípios do Estado de Santa Catarina, entre novembro do ano passado e janeiro deste ano, quando as fortes chuvas mataram 135 pessoas. As imagens do sofrimento dos catarinenses comoveram o Brasil inteiro e donativos chegavam em caminhões, aviões e helicópteros. Segundo informações da Defesa Civil, foram arrecadados 4.300 toneladas de alimentos e 2,5 milhões de litros de água potável.
As doações em dinheiro superaram os R$ 33 milhões.




Mas se o drama se repete agora no Norte e principalmente no Nordeste, a resposta solidária e as doações não têm sido na mesma velocidade e intensidade. Se naquela época a Defesa Civil de Santa Catarina chegou a ponto de pedir aos brasileiros que parassem momentaneamente de fazer donativos, uma vez que os estoques já não comportavam a quantidade de ajuda que chegava, agora as secretarias de Defesa Civil dos Estados do Nordeste e Norte pedem socorro. "O que recebemos é muito pouco, precisamos de muito mais doações", diz o major Abner Ferreira, da Defesa Civil do Maranhão, Estado com 95 municípios afetados pela chuva. "A campanha de doação de dinheiro para o Maranhão começou há três semanas e só temos cerca de R$ 21 mil. Em Santa Catarina, na primeira semana, já haviam sido arrecadados R$ 3 milhões", compara o major. Ele explica que com a quantia que tem disponível não consegue nem comprar uma embarcação motorizada para ajudar no resgate das vítimas. Sua percepção é partilhada pelo coronel Sérgio Gomes, assessor de comunicação do Corpo de Bombeiros do Ceará, Estado com 15 mortos pelo desastre natural. "Na época em que o Estado de Santa Catarina foi atingido houve uma mobilização muito maior do que a que está havendo agora, o que nós conseguimos é muito pouco", diz o coronel. A campanha Força Solidária para ajudar os cearenses só tinha arrecadado pouco mais de 65 toneladas de alimentos, 45 mil litros de água, 450 colchões e 221 mil peças de vestuário até a terça-feira 19. "Estamos tentando dar uma guinada na campanha agora, precisamos de redes para a população dormir, mais água, alimentos e produtos de limpeza", pede Gomes. O quadro é mais chocante quando, ao mesmo tempo que cestas básicas e água potável são disputadas no Norte e Nordeste, os fartos donativos que chegaram do Brasil inteiro ao Sul são desperdiçados em aterros sanitários ou vendidos por cidadãos de má-fé. Em Itajaí (SC) um carregamento inteiro de peças de roupa foi descartado no lixão porque apodreceu devido às condições de armazenamento. Em Rio Negrinho, também em Santa Catarina, o empresário Ismael Ratzkob foi preso com 330 mil peças de roupas e toneladas de alimentos provenientes de doações para os atingidos pela tragédia na cidade de Ilhota. Ratzkob completava seu orçamento vendendo doações a R$ 1.

Na Cruz Vermelha de São Paulo a diferença na quantidade de donativos recebida é visível. Se para Santa Catarina os carros faziam fila para doar e as salas de estocagem estavam abarrotadas de alimentos, roupas e água, o que se vê agora é desanimador. "Na primeira semana de campanha para Santa Catarina, nós já havíamos encaminhado 250 toneladas. Hoje com três semanas de arrecadação nós conseguimos encaminhar apenas 70 toneladas", conta a gerente de projetos sociais da Cruz Vermelha paulista, Luciana Mateus. Para ela uma das razões de haver uma menor quantidade de doações está ligada à atenção dispensada pela mídia às duas calamidades. "Se na época de Santa Catarina só se via, lia e ouvia sobre o desastre, hoje ele não é a prioridade, mesmo que a situação seja mais grave." O major Ferreira, do Maranhão, concorda: "Quando os olhos se voltaram para o que estava ocorrendo aqui, já eram muito mais focos de inundações, em muitos Estados, enquanto Santa Catarina era o único foco."

No entanto, ainda se veem alguns exemplos de solidariedade. Voluntário na Cruz Vermelha de São Paulo desde a tragédia de Santa Catarina, o professor universitário Clóvis Rodrigues, 46 anos, está empenhado na dedicação do seu tempo e força de trabalho para amenizar o sofrimento dos atingidos pelas chuvas no Norte e no Nordeste. Todos os dias ele trabalha com a arrecadação e triagem de doações. "Em Santa Catarina aconteceu um grande desastre e aqui houve uma explosão, o tempo de resposta da população foi muito menor e a reação foi mais rápida", compara o voluntário.

O jovem escoteiro Caio Komatsu, 19 anos, também tem trabalhado voluntariamente todos os dias na Cruz Vermelha. "O voluntariado está em primeiro lugar", diz. Ele deixou de frequentar as aulas do cursinho prévestibular para ajudar as vítimas das enchentes. "Acabei deixando minhas próprias questões de lado, como o vestibular, para ajudar os outros. Pode parecer errado, mas para mim é mais importante ajudar o próximo, além de ser uma das bases do escotismo", conta. Na época de Santa Catarina, Caio deixou de fazer a prova da segunda fase do vestibular para engenharia ambiental para trabalhar na Cruz Vermelha.

A diferença de atenção em relação às duas catástrofes é latente. Pode ou não se tratar de preconceito. "É como um crime de classe média e outro na periferia. A comoção e a repercussão são diferentes. E, infelizmente, a comoção e a repercussão ditam as políticas públicas", diz o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, autor do estudo Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros. Na esfera governamental o tratamento é equânime, garante o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima. "Não tem esse negócio de dar mais dinheiro para um do que para o outro", diz Geddel. O ministro afirma que a demora na liberação dos recursos é uma questão técnica. "Quando ocorre esse tipo de tragédia, a primeira medida é a ajuda humanitária, com doação de cestas básicas, colchões e água. O dinheiro para a reconstrução vem em um segundo momento." O ministro explica que com a água batendo no teto das casas ainda não é possível saber quanto será necessário para reconstruir e recuperar os municípios. "Não temos como saber ainda quanto vai custar", diz. Ele ressalta que foram liberados R$ 700 milhões depois da tragédia de Santa Catarina e agora outros R$ 880 milhões estão sendo destinados a todos os Estados atingidos por estiagem e chuvas, principalmente os do Norte e Nordeste. Como ajuda humanitária, a Secretaria Nacional de Defesa Civil distribuiu mais de 139 mil cestas com 23 quilos de alimentos e enviou para as regiões de enchentes 1,4 milhão de itens, como colchões, travesseiros e mosquiteiros. O governo pode até ter dado um tratamento igual, mas a população deixou a desejar em relação ao Norte e Nordeste.


Recebido por e-mail do Helly.

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