Por que os desabrigados do Norte e do Nordeste, apesar de viverem o mesmo drama, estão recebendo menos donativos do que as vítimas da enchente de Santa Catarina?

A situação calamitosa lembra a tragédia que deixou 80 mil desabrigados em 14 municípios do Estado de Santa Catarina, entre novembro do ano passado e janeiro deste ano, quando as fortes chuvas mataram 135 pessoas. As imagens do sofrimento dos catarinenses comoveram o Brasil inteiro e donativos chegavam em caminhões, aviões e helicópteros. Segundo informações da Defesa Civil, foram arrecadados 4.300 toneladas de alimentos e 2,5 milhões de litros de água potável.
As doações em dinheiro superaram os R$ 33 milhões.



Mas se o drama se repete agora no Norte e principalmente no Nordeste, a resposta solidária e as doações não têm sido na mesma velocidade e intensidade. Se naquela época a Defesa Civil de Santa Catarina chegou a ponto de pedir aos brasileiros que parassem momentaneamente de fazer donativos, uma vez que os estoques já não comportavam a quantidade de ajuda que chegava, agora as secretarias de Defesa Civil dos Estados do Nordeste e Norte pedem socorro. "O que recebemos é muito pouco, precisamos de muito mais doações", diz o major Abner Ferreira, da Defesa Civil do Maranhão, Estado com 95 municípios afetados pela chuva. "A campanha de doação de dinheiro para o Maranhão começou há três semanas e só temos cerca de R$ 21 mil. Em Santa Catarina, na primeira semana, já haviam sido arrecadados R$ 3 milhões", compara o major. Ele explica que com a quantia que tem disponível não consegue nem comprar uma embarcação motorizada para ajudar no resgate das vítimas. Sua percepção é partilhada pelo coronel Sérgio Gomes, assessor de comunicação do Corpo de Bombeiros do Ceará, Estado com 15 mortos pelo desastre natural. "Na época em que o Estado de Santa Catarina foi atingido houve uma mobilização muito maior do que a que está havendo agora, o que nós conseguimos é muito pouco", diz o coronel. A campanha Força Solidária para ajudar os cearenses só tinha arrecadado pouco mais de 65 toneladas de alimentos, 45 mil litros de água, 450 colchões e 221 mil peças de vestuário até a terça-feira 19. "Estamos tentando dar uma guinada na campanha agora, precisamos de redes para a população dormir, mais água, alimentos e produtos de limpeza", pede Gomes. O quadro é mais chocante quando, ao mesmo tempo que cestas básicas e água potável são disputadas no Norte e Nordeste, os fartos donativos que chegaram do Brasil inteiro ao Sul são desperdiçados em aterros sanitários ou vendidos por cidadãos de má-fé. Em Itajaí (SC) um carregamento inteiro de peças de roupa foi descartado no lixão porque apodreceu devido às condições de armazenamento. Em Rio Negrinho, também em Santa Catarina, o empresário Ismael Ratzkob foi preso com 330 mil peças de roupas e toneladas de alimentos provenientes de doações para os atingidos pela tragédia na cidade de Ilhota. Ratzkob completava seu orçamento vendendo doações a R$ 1.

No entanto, ainda se veem alguns exemplos de solidariedade. Voluntário na Cruz Vermelha de São Paulo desde a tragédia de Santa Catarina, o professor universitário Clóvis Rodrigues, 46 anos, está empenhado na dedicação do seu tempo e força de trabalho para amenizar o sofrimento dos atingidos pelas chuvas no Norte e no Nordeste. Todos os dias ele trabalha com a arrecadação e triagem de doações. "Em Santa Catarina aconteceu um grande desastre e aqui houve uma explosão, o tempo de resposta da população foi muito menor e a reação foi mais rápida", compara o voluntário.

A diferença de atenção em relação às duas catástrofes é latente. Pode ou não se tratar de preconceito. "É como um crime de classe média e outro na periferia. A comoção e a repercussão são diferentes. E, infelizmente, a comoção e a repercussão ditam as políticas públicas", diz o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz, autor do estudo Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros. Na esfera governamental o tratamento é equânime, garante o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima. "Não tem esse negócio de dar mais dinheiro para um do que para o outro", diz Geddel. O ministro afirma que a demora na liberação dos recursos é uma questão técnica. "Quando ocorre esse tipo de tragédia, a primeira medida é a ajuda humanitária, com doação de cestas básicas, colchões e água. O dinheiro para a reconstrução vem em um segundo momento." O ministro explica que com a água batendo no teto das casas ainda não é possível saber quanto será necessário para reconstruir e recuperar os municípios. "Não temos como saber ainda quanto vai custar", diz. Ele ressalta que foram liberados R$ 700 milhões depois da tragédia de Santa Catarina e agora outros R$ 880 milhões estão sendo destinados a todos os Estados atingidos por estiagem e chuvas, principalmente os do Norte e Nordeste. Como ajuda humanitária, a Secretaria Nacional de Defesa Civil distribuiu mais de 139 mil cestas com 23 quilos de alimentos e enviou para as regiões de enchentes 1,4 milhão de itens, como colchões, travesseiros e mosquiteiros. O governo pode até ter dado um tratamento igual, mas a população deixou a desejar em relação ao Norte e Nordeste.
Recebido por e-mail do Helly.
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